Um olhar sobre o que podemos ser.
Ontem, num restaurante de um shopping, vivi a experiência singular de um casamento em plena quinta-feira, despertando em mim questionamentos sobre a razão de tal escolha. Mas a cerimonialista habilmente nos revelou a história por trás dessa decisão incomum. Aquele enlace especial nasceu do primeiro beijo trocado em 27/07/2022 e do primeiro jantar partilhado naquele mesmo restaurante. E assim, conduzidos pela doçura e intensidade da narrativa da jovem cerimonialista, testemunhamos a união de um casal de corações maduros, ambos com mais de 50 anos, que traziam consigo filhos, animais de estimação, noras, genros, sogros e sogras, uma família recomposta bem ao gosto do “Direito das Famílias”, reconhecida e acolhida pela lei.
Naquela ocasião, éramos simultaneamente atores e espectadores da trama afetiva que se desenrolava diante de nossos olhos. Os noivos se olhavam com olhos marejados, repletos de esperança e promessas de um futuro eterno. Eu, uma advogada especializada em questões familiares, recordava vividamente o homem que outrora sentara-se desolado em meu escritório há pouco mais de um ano, tentando juntar os cacos dos restos de um amor e acreditando que talvez tudo não passasse de uma briga, de uma fase passageira.
Com experiência de décadas em receber pessoas em situações semelhantes, desempenhei meu papel profissional, mas, mais importante ainda, ofereci meu apoio humano e compassivo àquele homem maduro, que chorava diante de mim. Expliquei-lhe o que estava por vir, o que ele deveria evitar e como agir prontamente. Seus olhos expressavam incredulidade e descrença em relação ao que eu lhe dizia sobre o que poderia esperar do porvir. No entanto, ele contratou meus serviços para cuidar dos aspectos legais da guarda e convivência com o filho e para garantir o sustento da criança.
Naquela noite, enquanto ouvia o enredo do casal feliz, rememorava a dor e a decepção que o levaram até mim. No momento que adentrei a celebração, não queria chamar atenção para o meu traje inadequado, meu rosto sem maquiagem e o ar de “invisível’ que julguei ser melhor estabelecer. Recordava das batalhas judiciais para permitir que ele compartilhasse aqueles momentos especiais com seu filho. Lembrei-me das lutas que ainda não estavam completamente resolvidas, mas das quais havíamos alcançado alguma decisão temporária para auxiliar aquele pai a exercer plenamente sua paternidade. Ele insistia em me agradecer, repetidas vezes. No entanto, eu pensava que não era necessário, afinal, era meu trabalho. Mas, no íntimo, sabia que aquele sentimento de gratidão vinha da sensação de acolhimento e suporte que ofereci quando ele mais precisou.
A vida nos reserva recomeços em muitos momentos, não somente em “construir” novos relacionamentos, mas também quando nos reconectamos conosco mesmos, redescobrindo nossos talentos, encontrando alegria em novos desafios e atividades. Testemunhar meus clientes descobrirem suas paixões e compartilharem suas felicidades sempre me enche de vibração e contentamento. Jacob Petry diz que a diferença entre quem vence e quem se rende está na forma como lidamos com a rejeição, e acredita que “se você busca o sucesso, siga essa regra e crie imunidade à rejeição”.
Nas separações, os sentimentos de rejeição e frustração podem ser avassaladores, mas, mesmo nesse cenário, algumas pessoas conseguem trilhar caminhos mais amenos, sobressaindo-se e reinventando-se. Posso dizer por experiência própria, tendo passado por duas separações, que me reinventei de forma notável. Não que a separação seja o caminho da felicidade; não, de forma alguma. Como uma advogada familiar experiente, sei o quanto as pessoas desejam ter uma família e lutam por essa instituição em constante mudança. A família é profundamente almejada.
A separação, assim como outras adversidades da vida, pode parecer um plano que saiu errado, uma programação que não se concretizou conforme esperávamos. No entanto, há várias outras situações em que precisamos renascer, nos reinventar e descobrir nossos talentos. Isso pode ocorrer quando nos machucamos, adoecemos ou quando a vida parece de cabeça para baixo. O que realmente faz a diferença é como lidamos com esses momentos desafiadores.
Cultivar crenças, praticar esportes, alimentar-se bem, dedicar-se ao próximo, trabalhar com propósito são fatores que podem nos ajudar a nos reencontrar e a encontrar nossa verdadeira essência. Nessa busca, podemos nos perder em meio a tantos caminhos e possibilidades, afinal, vivemos num mundo líquido e tecnológico, conectados, mas também com amores voláteis e conhecimentos superficiais. Por vezes, pode parecer difícil trilhar o caminho certo, mas, na verdade, o certo está dentro de nós, basta ouvir e sentir o que faz pulsar nosso coração com mais intensidade.
Quanto ao casamento que presenciei, o noivo de hoje foi o “separado” de ontem, que mesmo nos momentos de tristeza sempre soube que seguiria em frente, que encontraria um “novo” amor, nunca duvidou disso. Assim, naquela noite de quinta-feira, testemunhei a certeza quase tangível de que ali, naquela família recomposta, estava o seu “amor”, e que esse novo mundo de delícias e descobertas se desvelaria diante deles. Era uma noite de certezas.
E eu, presente nessa celebração após ter recebido a tristeza meses atrás, refletia sobre como somos responsáveis por nossa própria felicidade e como somos capazes de superar obstáculos quando realmente desejamos. Naquela noite, senti novamente gratidão por ter escolhido e sido escolhida para atuar no Direito de Família, pois ser advogada nessa área é mais que um negócio, é uma missão.
O desgaste emocional é imenso para aqueles que atuam no Direito de Família. Somos os primeiros a acolher e ajudar a juntar os cacos do amor despedaçado. Aconselhamos e compreendemos as dificuldades e diferenças que surgem nesse processo delicado. Um bom advogado sempre mantém em mente que aquela família precisa de amor, não de brigas. Buscamos acalmar os ânimos, lutar pelos direitos de cada indivíduo envolvido, mas também lembramos a todos que, independentemente das circunstâncias, sempre serão parte de uma família ou, acima de tudo, seres humanos que merecem empatia e compreensão, antes de serem julgados com rigor. Conseguimos vitórias em alguns momentos, mas, em outros, somos vencidos pelas adversidades.
Pode parecer clichê, mas é verdadeiro: nossas experiências, talentos, rejeições e quedas moldam quem somos e o que faz nosso coração pulsar com mais intensidade. Segui meu instinto e cheguei até aqui, trilhando um caminho que me permite ajudar e apoiar aqueles que enfrentam as complexidades da vida familiar. A cada história, aprendo a valorizar ainda mais o poder do amor, da compaixão e da resiliência humana. É uma jornada repleta de desafios, mas também de gratidão e satisfação ao ver famílias encontrarem o equilíbrio e a paz mesmo após a tempestade da separação. É essa sensação de realização que me motiva a seguir adiante, buscando sempre o melhor para meus clientes e lembrando que o coração é a bússola que guia nossa trajetória.
Com efeito, este não é o fim da história, pois a vida continua a tecer seus enredos cheios de surpresas e reviravoltas. Essas histórias de amor e separação podem se repetir, mas cada uma delas é única, repleta de nuances e desfechos diferentes. Alguns encontram a felicidade mais rapidamente, enquanto outros podem levar mais tempo ou até mesmo enfrentar dificuldades em alcançá-la plenamente. No entanto, a maioria busca incessantemente a boia que os levará à superfície, ao equilíbrio e à paz interior.