Disputa familiar pelo legado de Tarsila do Amaral
Até que o dinheiro nos separe: Como a falta de planejamento afeta o legado de ídolos e não ídolos
Nos últimos anos de sua vida, a renomada pintora Tarsila do Amaral (1886-1973) passou por momentos de grande dificuldade. Após uma cirurgia malsucedida na coluna, ela ficou confinada a uma cadeira de rodas. A tragédia se intensificou quando sua única filha, Ana Dulce, faleceu devido a complicações de diabetes. Buscando conforto, Tarsila se voltou para o espiritismo, estreitando laços com Chico Xavier e chegando a vender algumas de suas obras para apoiar as causas do médium. Mesmo com tanto sofrimento pessoal, seu legado artístico permaneceu em ascensão. Em 1995, o quadro Abaporu foi adquirido pelo argentino Eduardo Costantini, o que trouxe grande projeção internacional à sua obra. Ao longo dos anos, o valor de suas pinturas continuou crescendo, culminando em 2019, quando a exposição no MASP atraiu multidões, com muitos ansiosos para tirar selfies ao lado do famoso Abaporu.
Apesar do sucesso póstumo, o crescente prestígio de Tarsila não impediu que surgissem disputas entre seus herdeiros. Recentemente, a descoberta de uma possível obra perdida, Paisagem 1925, reacendeu intensas discussões sobre sua autenticidade e revelou um conflito familiar que ameaça comprometer o legado da artista. Sem deixar herdeiros diretos, a disputa pelo espólio de Tarsila envolve uma vasta quantidade de parentes, divididos em diferentes grupos. Tarsilinha, sobrinha-neta da artista, declara que há 57 herdeiros, enquanto o advogado da Tale — empresa criada em 2005 para administrar o espólio — afirma que são 59. As discordâncias se estendem a outras questões, com acusações de má gestão e processos judiciais em andamento, aumentando a tensão e a incerteza sobre o futuro do legado da artista.
Esses tipos de conflitos não se limitam ao mundo das artes. A história está repleta de casos em que disputas entre herdeiros prejudicaram o legado de grandes figuras, como João Gilberto, Tim Maia e Gal Costa, assim como artistas internacionais, como Pablo Picasso. O fenômeno não se restringe aos famosos: famílias comuns também enfrentam frequentes batalhas nos tribunais brasileiros por conta de heranças.
Essas disputas familiares provocam grande desgaste emocional e, muitas vezes, resultam na redução do patrimônio que deveria ser dividido entre os herdeiros. A ideia de que apenas grandes fortunas são alvo de brigas judiciais é equivocada. Na realidade, tais conflitos ocorrem em todos os níveis, independentemente do tamanho do patrimônio, afetando tanto estrelas quanto pessoas comuns.
Quando os conflitos familiares tomam a dianteira, o legado de qualquer pessoa — famosa ou não — corre o risco de ser gravemente comprometido.
É evidente que o impacto das disputas familiares sobre heranças vai muito além dos valores financeiros em jogo. Quando a falta de consenso e a busca pelo controle prevalecem, o legado de uma pessoa pode ser dilacerado, comprometendo anos de trabalho e conquistas. No caso de Tarsila do Amaral, uma das maiores artistas do Brasil, é essencial que se encontre um caminho de diálogo e preservação, não apenas do patrimônio financeiro, mas também do seu imensurável valor cultural.
A solução para tais disputas envolve, invariavelmente, o apoio de profissionais especializados, que possam garantir a transparência, a legalidade e, sobretudo, a proteção do legado construído ao longo da vida. Com o suporte jurídico adequado, é possível evitar que conflitos internos manchem a história e a contribuição deixada por figuras tão importantes.
Ariadne Maranhão
Advogada especialista em direito das famílias e sucessões